domingo, setembro 14

Danoninho..

O Airbus A319 balançava mais do que o Rei dos Atlantes* em alto mar quando o vento-sul sopra. O enjôo podia ter vários motivos: o fato de eu ter dormido apenas duas horas na noite anterior, o maldito sanduíche de queijo injerido há meia hora atrás, ou o próprio balanço da aeronave, esta bem maior do que o veículo do Don Vitôrio. Malas caindo, pessoas interrompendo o que faziam no banheiro para voltar ao lugar, interjeições nada otimistas, eu tentando lembrar os procedimentos que a aeromoça mostrava antes da gente bater asas... O fato é que o avião pousaria em uma hora, e eu num estado deplorável para iniciar mais um dia de trabalho. O anúncio do capitão estava me fazendo perder as forças mais ainda. Concentração... concentração... Tentei desviar o pensamento para coisas mais legais, menos hostis, mas foi inevitável. Por que diabos que eu estava passando aperto (de novo) mesmo?

***

Networking. Este é chave do sucesso, qualquer que seja a profissão. A gente tem que estar sempre visível, na fita, sabe como é? Cultivar novos relacionamentos, adubar os antigos, esse tipo de coisa. E pensando nisso, revolvi pagar uma visita à última empresa que eu trabalhei. Sempre tive um bom relacionamento com o gerente de lá, ainda mais quando a nossa cisão foi toda acordada na primeira conversa. Sem mágoas, sem ressentimentos, aquilo era mais uma visita amistosa. Depois das formalidades iniciais (tudo bem, como está, o quê tem feito, e as Olimpíadas, China rapou tudo, blablabla, nhenhenhe...), ele anuncia:

- Eu tenho uma coisa pra você... um bico...
- É? Ué... Mas por quanto tempo?
- É rapidinho... Daqui a pouco você está de volta!..
- Então tá bom!... Tô dentro! Mas....... Onde é?
- Xambioá.
- Como é?.. Chambourcy???
- ...
- Que foi?
- (Impaciente, pega uma caneta).. Olha... Faz de conta que este triângulo aqui é o Tocantins..
- TOCANTINS?
- É. Mas você pega um vôo até Marabá, no Pará...
- PARÁ??? O quê que tá acontecendo??
- ... até o Pará, e o pessoal vai te buscar lá... Fica na divisa.
- Que delícia! (só pensei).
- Então... Daqui a pouco já mando emitir a sua passagem, ok? Você vai dia 12, e volta no final do mês.

Não sei por quê, mas senti um certo tom de imediatismo, quase que temendo a minha desistência. Devo confessar, ele foi rápido.

- Mas... Chambourcy não é aquele danoninho que não existe mais?
- É Xambioá, caceta!

Ele nem me deu a opção de pensar mais no assunto, no estilo "caso opte por aceitar esta missão, deverá selecionar mais dois agentes etc... esta mensagem se auto-destruirá em 5 segundos...". Eu sei que a bomba já tinha estourado, e eu nem tinha visto ela cair na minha mão. Se fudi.

Dois dias antes do início da missão, eu na rua, recebo uma ligação. Era o próprio.

- Aqui, me ligaram lá de Xambioá, e você vai ter que ir amanhã. Na verdade, a sua passagem já foi mudada, mas é para amanhã no mesmo horário, tá?

Como se eu tivesse escolha. Essas coisas de avisar de última hora já está começando a ficar tão comum, que quando recebo uma surpresa dessas, nem tento questionar mais. Já vou perguntando: "tá... em que avião que eu entro?". É assim. Mas desta vez, não preparei terno nenhum.

***

O sacolejo do avião já tinha diminuído consideravelmente. Um ótimo sinal, uma vez que a gente estava a alguns metros do chão só. Turbulência nesta altura tem outro nome: quicar. O avião toca o chão e desacelera pela pista, e eu com um pressentimento estranho. Procuro o aeroporto, mas não vejo nada além da pista e mato. "Portas em manual", elas são abertas, e no momento que piso fora da cabine, constrações involuntárias na minha cara moldam uma expressão de choro. Eu devia saber.

(Continua...)

* Rei dos Atlantes: embarcação preparada para saídas de mergulho, da Operadora Atlantes, de Guarapari.

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