quinta-feira, fevereiro 19

O Terceiro Elemento

- Eu NÃO ACREDITO que vou passar os próximos meses neste lugar!


Ao som do Léo e do Vítor, os dois sapos pareciam dançar, pois pulavam para lá e para cá no chão em azulejos. Tinha tantos mosquitinhos, besourinhos, insetinhos que é até engraçado falar em banquete. Era mais um vernissage anfíbio. Um aparato caseiro diminuía a sujeira no chão: uma garrafa PET cortada ao meio, amarrada junto à lâmpada econômica chinesa imitava uma luminária de cristal, e também coletava os moribundos alados. Escolhemos a mesa menos suja, e pedimos logo o peixe, já que era para isso que estávamos ali. No restaurante em Mocambinho, o peixe tinha acabado, e só nos restou esta beira de estrada escura.


Ele pediu um fósforo, e a mocinha – gentilmente – tomou o cigarro da mão dele, e foi andando em direção ao isqueiro pendurado no balcão, o barbante encardido. Se no primeiro segundo fui paralisado por descrença, eu já gargalhava enquanto ela voltava com o cigarro aceso na mão, soprando o restinho de sua tragada. Ele se envergonhou por ela.


Eram quase 21:00, e o céu estava salpicado de estrelas. Nos últimos dias, eu já estava ao relento há algumas horas. Os dias mais longos e o calor nos convidavam para o lado de fora, e até o anoitecer, ficávamos conversando borracha, jantando e tomando café, rindo um do outro. O caseiro e sua esposa nos contavam causos simples, e ainda assim, engraçados. Apagávamos a luz da varanda de vez em quando, e as estrelas pareciam cair alguns metros, pois pareciam crescer e brilhar com maior presteza.


Um dia cheguei em casa, e reparei que o caseiro estava um pouco abatido. Antes de eu sentar, ele me estendeu uma bandeja de umbu, docíssimo. Contou que a vaca pariu na noite anterior, mas que a bezerrinha tinha enganchado. Não agüentou, a pobrezinha, mas não levou a mãe junto, Deus é bom. Chupamos umbu e choramos a morte da bezerra. A tristeza não durou muito, pois ele apontou para o horizonte. A lua cheia ascendia incandescente, vermelha. Corri em direção à noite para melhorar a minha visão, ele sentou no chão para rir.


- Eu não acredito que vou passar os próximos meses neste lugar...


Mas talvez o rural tenha perdido o seu charme levemente, quando, num desses momentos crepusculares, vi sair uma cobra coral debaixo da cadeira em que eu estava sentado. O pânico não chegou a incorporar, mas devo confessar que fiquei mais receoso de andar por aí depois deste episódio. O pior é que a conversa evoluiu para jararacas, cascavéis e caranguejeiras, todos habitantes das redondezas. No dia seguinte, chegava da portaria a pé, marmita na mão, tudo escuro já. Confundi a sombra da raiz de uma árvore com uma sucuri, mesmo as dimensões da raiz sendo completamente incompatíveis com a maior de todas as sucuris. Gritei por dentro, e corri silenciosamente. Quase larguei a janta no chão. Ofegava quando cheguei em casa, e o caseiro:


- Ôxi, moço. Tá fujino di quê?

- De nada, ué. Aproveitando para fazer um exercício.


Um terceiro sapo entra no salão do restaurante. O antes Vítor & Léo, como resolvi chamá-los, agora era o Trio Parada Dura. Pagamos a (cara) conta, e tomamos o caminho para casa. Parecíamos não sair do lugar, pois a rodovia era reta e sem mudanças. Nem outros veículos. Ao chegar, desci do carro, e olhei para os lados. Só via vento. Balançava os coqueiros, as bananeiras, o canavial. Olhei para cima, e as estrelas. A paz. Acreditando ou não, eu ficaria. Sorri, e fui dormir.