sexta-feira, maio 15

Bar

Poeira eu vi.

Ouvi os pneus cantarem uma Ária, vi a onda de poeira na minha frente, mas estava calmo. Ainda estava escuro, mas tinha virado a cabeça para a esquerda e vi que ninguém vinha em minha direção. Com a desaceleração, virei o volante para a esquerda, e parei na posição em que eu nunca precisava ter mudado: o sentido de tráfego.

Saí do carro, respirei fundo. Os batimentos cardíacos sequer aceleraram, e já voltaram ao normal. Chequei se havia estourado algum pneu, chequei os freios, pensei ter cochilado, mas lembro de cada movimento do carro antes de rodar. "Foi o carro", tive certeza. Meus companheiros de estrada deram a volta e pararam para me acalmar, sem necessidade. Seguimos em alguns segundos.

Comparar a vida a uma viagem é superlativo de clichê. Enquanto o carro ainda me traía a direção, tentava manter o volante e o pensamento firmes. Mas o clichê me fez sentido, e segui por este caminho. Mas diferente daquelas da CVC, iniciamos a nossa viagem despidos. De tudo. E é em turnê que arrumamos a nossa mala (aqueles pacotinhos* que sempre falo). Que engraçado, quando a mala está finalmente feita, temos que retornar de onde viemos, onde quer que isto seja. Mas esta é uma outra estória.

É no percurso também que aprendemos como funcionamos. Nós somos o meio de transporte, nós somos a máquina fotográfica, nós somos o quarto de hotel quando estamos exaustos. Apenas nós podemos nos fazer seguir. Amigos são como um balcão de bar, onde falamos e escutamos frustrações e piadas, palavras de sabedoria, e às vezes nem tanta. E podemos sempre ter certeza que numa revisita, os verdadeiros estarão lá, no mesmo balcão. Mas somos nós quem estabelecemos o nosso roteiro a seguir, e seguimos se assim decidimos.

Se nós somos um carro, a nossa cabeça e coração são as barras estabilizadoras. Se estamos bem, a vida pode ser um eterno rally, e ainda assim, conseguimos chegar onde queremos, sentindo pura diversão. Mas se estamos fracos, a viagem pode ser uma reta até o horizonte, e qualquer ondulação nos joga para fora da pista. Assim como aconteceu comigo momentos antes. Nas curvas, fiquei pensando se eu estava bem. O carro, tinha certeza que não.

Como na vida, tivemos um pequeno e inesperado desvio de rota, felizmente. Nos perdemos, como era de se esperar. E tivemos que perguntar as direções para um vesgo em cima de uma carroça velha, puxada por um jumento velho. Seguindo as suas indicações, a estrada era mais bonita, melhor conservada onde tinha que ser, e tinha muita terra onde queríamos sentir um pouco de adrenalina na veia. Era tudo diferente, não-planejado. Sentindo-me culpado por julgar o bom senhor na carroça, finalmente consegui entender quando estávamos em paisagens conhecidas: ele não precisava enxergar com seus olhos. Sua barra estabilizadora estava em condições perfeitas.