quarta-feira, fevereiro 11

Abre Tus Ojos

Tomamos consciência de que o futuro e o passado se encontram no presente no momento em que partimos. Para ir a algum lugar, para voltar para casa, para ir aos mesmos lugares. Lembramos e buscamos para termos uma baliza para o quê está por vir. E eu estava assim, sem palavras, só pensando.


Na verdade, os preparativos não aconteceram da forma esperada. Muita gente estava indecisa, quem tinha que pagar não havia pagado, outras desistiram, e eu quase. No final das contas, resolvi ir, pois seria esta uma oportunidade de pleno descanso antes de seguir para mais longe, e o ônibus seguiu ao seu destino com apenas 5 pessoas.


Passada a decepção (com as pessoas), estávamos todos ansiosos para chegar. No caminho, lembranças de outras visitas nos fizeram companhia nas curvas e retas escuras, e nos ninaram num sono tranqüilo e otimista. Sono este interrompido já no píer onde embarcaríamos.


Juntamo-nos com dois suecos e um casalzinho em plena lua-doce, e seguimos. E no meio do trajeto, a bióloga resolve nos dar uma pequena palestra.


Ironia, ironia. Enquanto boiando em plena imensidão azul do Atlântico, no meio de onde as águas se estendiam em todas as direções até onde as vistas chegavam, eu fixei meu olhar em um azul mais claro, como água-marinha. E conheci uma das mais interessantes pessoas ao vivo que tive contato. Mestre em Biologia, professora da rede pública Bahiana em virtualmente todas as matérias e todas as séries (devido à escassez de profissionais), ex-surfista profissional, ex-esposa, ex-R.P., quase não estava ali, pois a família precisava que ajudasse nas finanças de casa. E passou sim, por dificuldades. Ainda assim, estava ali a falar sobre budiões, golfinhos e corais como falamos mal dos outros. Nas horas vagas, faz trabalho social, pois diz sentir fazer diferença.


Um anjo. Fisicamente e coraçãomente falando. Um anjo encapetado, devo acrescentar, pois se diverte e ri que nem criança sapeca, ama o que faz como se não ganhasse para isso. Enquanto terminava a sua aula, consegui desviar o olhar, e ver um tapete verde esmeralda nos dar as boas vindas ao arquipélago.


Pero Vaz de Caminha havia aconselhado à Curôa Purtuguesa para abrir bem os olhos quando chegassem a este pequeno pedaço de terra no meio do mar, e como não? Abrolhos é a certeza da existência de Deus, seja lá quem ou o quê Ele seja. Se na superfície, a sua beleza inspira, debaixo d’água ela instiga. Homem não faz isso, nem se tentasse. Se tentasse, haveria McDonald’s e Blockbuster no lugar, e se fossem belo-horizontinos, drogaria Araújo e quiosques de temaki.


Abrolhos foi o primeiro “território” elevado a parque nacional marinho, pelo decreto no. 88.218 de 6 de Abril de 1983. Permanece quase intacta, com exceção dos postos de vigia do Ibama e da Marinha, este último que, pasmem, não tem envergadura para cuidar da parte MARINHA do parque, apenas na parte da defesa (em caso de guerra). Já que é assim, eu dei a sugestão de chamar o Exército para cuidar dos peixes, não sei se eles acataram as minhas palavras com satisfação. Há também o farol, que daria por si só uma extensa descrição muito interessante do seu funcionamento e de sua história. Mas além de ser provável assunto para a posterioridade, eu não prestei muita atenção no sargento. O pôr-do-sol estava logo ali, seduzindo todos os meus sentidos.


Numa dessas noites, talvez pelo embalo do mar, talvez pela caipirinha, eu e os suecos nos perguntamos o quê havia acontecido com a nossa energia infantil que não apenas nos impulsionava para o desconhecido, como nos fazia achar graça e gosto em todas as situações. Talvez pelo mar, talvez pela caipirinha, respondi que se levarmos Lavoisier em consideração, essa energia havia se transformado em experiências e conhecimento. O nórdico concordou, e acrescentou: “A gente está gastando quase toda a energia que nos fazia ir no pensar e avaliar, e acaba por não fazer”. Olhei para fora, a lua cheia distorcida pelas marolas. Maldita caipirinha.


Agora o mar era escuro. Um azul profundo, contrastante ao céu, que pendurava alguns nimbos ameaçadores. O sol incendiava o horizonte com um laranja quase inolhável, mas ainda assim trazia tranqüilidade para quem o encarava. O continente começava a despontar no horizonte. E o perfume salgado do mar vinha se despedir. E eu estava assim, sem palavras, só pensando.