sábado, setembro 20

Danoninho II - "Ra-pái"

No vocábulo indígena, Xambioá significa pássaro veloz. Eu até imagino o motivo. Criatura viva nenhuma é insana o suficiente para ficar parado debaixo deste sol. Quanto mais rápido se mexer, melhor. É o jeito mais primitivo de se ventilar as idéias. Ainda mais, como dizem por aí, cabeça vazia, casa do capeta. Vocês conhecem cidades do interior, em relação ao assunto "cabeça vazia" (não me entendam mal, é que geralmente a vida em áreas menos urbanizadas é mais... pacata). Cabeça vazia nesta temperatura, então, vira um complexo turístico para o capeta. Um resort all-inclusive (algumas atividades mencionadas no folder são pagas a parte... maiores detalhes com o seu operador!).

***

Respirei fundo, e saí do avião. Fui atingido imediatamente por um golpe de calor, que se não fosse a fila de passageiros atrás de mim, voltaria correndo para dentro da aeronave, e ficaria lá para todo o sempre. Para que vocês tenham uma idéia do que eu estou falando, imaginem quando estamos assando pão de queijo. Meia hora depois a 200 graus, é hora de tirar do forno. Atenção agora. Sabe aquele momento em que se abre a porta do forno para tirar a travessa, e o calor praticamente te dá um tapa na cara? Essa é a sensação de chegar aqui. Pelo corpo inteiro. E paira. Está pairando até agora...

Dentro do avião, não consegui ver o aeroporto, pois na verdade, trata-se apenas de uma pequena casinha, uma guarita maior, por assim dizer. Peguei a minha bagagem, e saí em busca de uma plaquinha com o meu nome, ou ser abordado por alguém uniformizado, mas nada. Saí das dependências para um cigarro, e depois de algumas fumaças, vi um uniforme bem familiar.

- Ra-pái, tu já saiu?
- Pois é, não vi ninguém, e vim aqui fora fumar um cigarro.

Entramos no carro, e puxo conversa*:

- Aqui sempre faz este calor (tentei pensar em outra coisa para falar, mas a cabeça estava fora de área ou desligado)?
- Ra-pái, é sempre assim! Mas aqui é bom, fim de semana todo mundo vai pra praia, e fica lá tomando cerveja, vendo mulher bonita!
- Praia?... (em Tocantins??)
- É... na beira-rio! No domingo lá ferve de gente! A gente vai passar lá, eu te mostro...
- Ahn...
- Vai querer comer o quê no almoço?..
- Não sei... qualquer coisa tá bom!... Mas vou comer pouco... lanchei agora há pouco no avião, e não estou me sentindo muito bem..
- Então pronto! Vamos comer numa churrascaria daqui de Marabá.. Só mulher bonita!
- Ah, é?.... Hehehe... (Ra-pái, será que eu comecei a falar em mandarim?... É capaz... este calor!)..

Chegamos na tal churrascaria, e a primeira coisa que percebi foi a ausência de ar condicionado. Fazer o quê, tá no inferno, abraça... Tudo bem, vou parar de fazer analogias satânicas. Quando sentei na mesa com o meu prato, ele já pendurava um sorriso maroto na cara, olhando para os lados, fazendo sinais de aprovação para mim. Com movimentos mais contidos, varri o ambiente com os meus olhos, e não vi nenhuma mulher. Ah, peraí!.. Parece que aquela é uma mulhAI MEU DEUS! O quê que aconteceu com a coitada??? Ra-pái, outra lá do lado! E parece que está em sofrimento também!.. Decidi que não agüentava tanta mazela durante a refeição, mergulhei de cabeça no meu prato, e não levantei mais até terminar.

Na estrada, senti que toda a beleza que faltava na churrascaria estava nas matas nativas do lugar. Ondas de cerrado alternavam com uma vegetação mais densa, e palmeiras salpicavam a paisagem com o seu típico esplendor. Uma narração me falava das curiosidades da região, me apontando árvores de frutas que via só em casa de sucos. De um lado, castanheiras-do-pará desfilavam nas suas alturas, e do outro, vermelhos e amarelos do caju antecipavam o natal na região. Açaizeiros são comuns na região também, além do babaçu e da carnaúba. Tive a sensação de estar entrando nos livros de geografia da 4a. série, e tive realmente certeza que estava mesmo, quando de repente, a mata fechou de uma vez, e vi a placa: "Você está entrando na reserva indígena dos índios Suruí-Sororó". Sempre me perguntei muito o por quê de aprender certas coisas durante os anos de colégio, e mesmo que não tenham me dado nada na prática, foi estranho não ser estranho a todos aqueles nomes estranhos que ele me falava. Me senti bem brasileiro, na verdade. Com este sentimento, ainda fiquei preocupado com algumas toras de mogno que ele me mostrava em algumas madereiras clandestinas. Sua extração é proibida, quanto mais a sua comercialização. Mesmo assim, elas, esparramadas na beira da estrada, esperavam virar móveis. E assim, o passeio pelas páginas de livro didádico amenizava os quilômetros que deixávamos para trás.

Chegamos numa pequena cidade, e fomos logo entrando numa fila de carros. Perdido nos meus devaneios pela vegetação local, não havia reparado que tínhamos chegado à beira de um rio. Uma balsa aproximava da nossa margem, e meninos, arriscadamente, gritavam e nadavam na sua rota. Largo o suficiente para não ser ignorado, quis saber. Era ele. O Rio Araguaia.

(continua...)

*Para melhores efeitos, sempre leiam a parte do meu interlocutor com sotaque nortista.. nordestino com o "s" bem puxado.

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