sexta-feira, julho 18

Jaíba Times

QUARTA-FEIRA, 1:00 p.m.: Você sabe que tem alguma coisa errada quando o projeto paisagista do estabelecimento é integralmente composta por cactus. Não pelo gosto/exigência do dono, não para seguir as últimas tendências das pranchetas de New York (lê-se: niu-iórc, com o "c" quase mudo saindo da garganta - som gutural...), mas simplesmente pelo fato de que as outras plantas não sobreviveriam algumas horas nas condições climáticas presentes. Outra evidência do esquisito é que você dá uma volta completa em torno de si, e não vê nenhum obstáculo no meio do caminho até a fronteira do desconhecido. Horizonte, como alguns preferem chamar. Lugar que parece muito mais longe de onde eu estava, diga-se de passagem.

Vinte e quatro horas antes, eu estava no conforto do meu lar, tomando um chá pós-almoço, quando recebo um bat-sinal*. Alguém em terras longínquas precisava de minha ajuda, e estava precisando urgente!.. Na tentativa de valorizar um pouco o meu tempo, disse que não seria possível naquela noite, como solicitado, pois tinha que resolver algumas pendências pessoais, e que não poderiam ser resolvidos em outros momentos. Na verdade, eu precisava passar no banco para receber meu seguro-desemprego, devolver alguns filmes na locadora e cortar cabelo. Coisas de empresário super-atarefado. Mas eles não precisam saber disso. E ficou marcado que pegaria um vôo no dia seguinte.

Enverguei um terno na manhã seguinte, peguei o vôo de quarenta minutos. Mais duas horas e meia de estrada, e me encontrei mergulhado na "inospitez" supra citado. De terno. E no meio disso tudo (ou desse nada): chineses. Para o meu bem, os mandarins REALMENTE estão dominando o mundo. Após um conselho gentil do gerente, me troquei e coloquei a mão na massa. Não tinha mais o que fazer no lugar mesmo... Reunião vai, conversa vem, e assim os milhões de Euros trocam de lado, e o tempo se dissipa nas plantações de bananeiras.

Podemos dizer que "movimentação" ou "distração" não é exatamente o forte do local, e para a sorte de todos, conseguimos finalizar os nossos afazeres antes do previsto dizem que com a minha ajuda também... eu já sabia...). No último dia, o Sr. Presidente da empresa veio nos visitar, para acertar os últimos detalhes. Me falaram que era um italiano bem influente, atuante na política, e bem afortunado, como havia reparado já. Quando chegou, vi um senhor de idade bem simpático, calmo e voz mansa. Não me contive, e cumprimentei: "Don Vitôrio...", porque achei que não tinha intimidade para chamar de "papi" e beijar a sua mão. Mais reuniões, mais conversas, e mais milhões. E tudo foi acertado. A boa notícia era que Don iria nos dar uma caroninha no seu veículo alado. Assim, seguimos ao seu estacionamento.

Pausa para momento cinematográfica: imaginem o asfalto quente, com aparência de molhado. Enquadramento baixo, filtro degradê âmbar. Em câmera lenta, nós surgimos na tela com nossos pertences empunhados, em direção à nossa besta de aço. Piloto e co-piloto nos aguardam do lado de fora e batem continência com a nossa chegada. Guardamos as nossas malas, pilotos a postos, e não pude deixar de ouvir a conversa dos dois (com sotaque de paulista): "Então, méu... este botão aqui você aperta quando a gente estiver decolando... e aquele pedal, você pisa vagarosamente *%&^#%^#$@, enquanto checa o altímetro #$@!&^%^$@ e empurra a manche *&^%&%$*... minha confusão e desespero foram tão grandes que consegui apenas ouvir trechos do que parecia ser um crash course de pilotagem. Estava mais que claro que a minha hora tinha findado, e cheguei a pensar se deveria ligar aos meus pais para dizer que eu os amava, e que não precisavam mais pegar o meu carro na oficina. Não iria mais precisar dele, porque para onde eu estava indo, eu poderia usar as minhas asas. Lágrimas nos olhos, vi uma imagem borrada do chão distanciando, e as bananeiras diminuindo.

Orei por todos durante o vôo, e depois de mais um susto para fechar com chave de ouro (acreditem: o pouso é o PIOR momento), pisei em terra firme como se despertasse de um sonho ruim. Minhas preces foram atendidas, e a comédia do destino é o seguinte: esse pequeno vôo estacionou um avião bem maior na minha frente, que possivelmente me voará para mais longe, para onde tudo começou.

POSFÁCIO: Ao chegar no bar, me indagaram se eu estava de carro. Após uma resposta negativa, queriam saber como cheguei ali. Respondi: "Meu piloto me deixou ali na esquina!". Fora de contexto, não faz sentido nenhum, mas na hora me senti milionário. Foi bom.

*bat-sinal: vide texto passado, "Herói". para receber números atrasados, entre em contato com a nossa central de atendimento.