terça-feira, janeiro 27

Doppio

Enquanto os fogos de artifício simulavam um bombardeio aéreo, a crise internacional havia se instalado em terra. Os projéteis de cortiça deixavam as suas garrafas de espumante para cortar o ar salgado da praia e acertar quem fosse herói naquele momento. O incidente diplomático poderia ter tomado menor magnitude, mas o relógio mostrava a primeira hora do ano, e enquanto outros faziam promessas irrealizáveis, Croácia desembarcava na nossa Normandia. Seis pessoas desconhecidas dentro de uma mesma casa por dias não poderia ter tido desfecho diferente. Mas é a paz que importa, não a guerra.

No meio do caos, olhei para o alto e vi peônias coloridas, o fundo negro. Havia tantos sons acontecendo ao mesmo tempo que eu conseguia ouvir apenas o silêncio. Como o catavento colorido que gira rapidamente, e no final se vê apenas o branco. Branco este que dominava a praia, pois todos queríamos paz. Branco eram também as flores que Iemanjá ganhava, mas em troca de amor, fortuna, maridos e mulheres. Branco da espuma das ondas que pulávamos com um pé só. Será que as menorzinhas valiam como ondas? Na dúvida, vamos esperar por uma maior. E das sete, as ondas viravam dez, doze.

De repente, a magia acaba. O funk e a gritaria voltam à minha audição, cheiro de cerveja se mistura com o de água do mar com espumante, e a minha bexiga cheia. Não considero outra opção, e vou caminhando para um lugar mais fundo. Ainda um pouco envergonhado do ato que ainda não fiz, começo a ver algumas pessoas fazendo o mesmo, só que sem pudores, ali em pé, à brisa do mar. Olho para o lado, e mais gente à procura do alívio imediato. Neste momento me pergunto como que eu estava ainda dentro daquela água. E quando resolvo estender o meu olhar por toda a baía, vejo milhares e milhares e milhares de pessoas marcando o seu território. Não importava o sexo, crença, idade, time de futebol. Alguns em pé, algumas agachadas, e outros mais no fundo, como eu. Engraçado isso. Momentos antes, oferecem flores a Iemanjá. Minutos depois, baixam as calças e dão o recado: "... e ISSO é para se você não atender os meus pedidos, porra!".

Depois do que presenciei, eu só tenho uma coisa a dizer: calotas polares, cuidem-se.

***

Se for verdade o que dizem, que a cada despedida, as pessoas levam um pouco de nós, então sou um vazio ambulante. Já passei por tantas, que já posso me dar ao luxo de fingir que não ligo mais. Na minha família, nunca fomos muito emotivos com essas coisas. Porque se estávamos partindo, o motivo estava muito além dos momentos de convivência familiar, e os laços, estes tínhamos (e temos) certeza que nunca serão desfeitas. Meus pais nunca falaram coisas do tipo: "Ah, não vai embora não! Para quê ter um Pós-doutorado em Neurofísica? Não serve para nada! (ainda bem que não foi falado, senão teria que concordar com eles)". Pelo contrário. Eles sempre nos deram força para seguir adiante, buscar por novos horizontes, essas coisas de poesia. E se nós tivéssemos nos limitado pelo medo do novo, nós não teríamos a Samsonite cheia de pacotinhos* valiosos.

Engraçado mesmo é ver a percepção e a reação das outras pessoas em relação ao partir. Já vi famílias inteiras no aeroporto, com balões, apitos, bandas de fanfarra e faixas com os dizeres: "Fulano de tal, nós te amamos!", "Volte logo, você mora no nosso coração!!", "Quer casar comigo?", e assim por diante. Se não me engano, todas as ex-namoradas do cara estavam lá também. Isso tudo porque o rapaz estava indo para a Disney... Tá bom, tá bom... mentira. Ele ia ficar um ano estudando fora. Mas tenho reais dúvidas se estas coisas realmente são válidas ou não.

A partida nunca deixará de doer, isto é fato. Penduramos um sorriso na cara para disfarçar a falta que já faz a comida de casa, as caipirinhas e as cocas que tomaríamos juntos, conversas madrugada adentro, tardes de domingo em silêncio com a família. Doutorado uma ova! Trabalho coisa nenhuma!!.. Eu quero é ficar aqui na vida boa, com minha família e amigos curtindo a zona de conforto!.. Mas... no final do dia, tomamos a decisão de partir, certa ou errada seja. Se já foi difícil optar por ir, eu me pergunto: exatamente COMO que a micareta no aeroporto estaria facilitando as coisas?

Porque a última vez que fiz uma viagem semelhante, minha mãe me levou até o centro, e peguei um Airport Service, porque era mais prático, mais barato, e ela tinha que dar aula e meu pai estava atendendo no consultório.

Peraí... Eu acho...
...
Será que eu sou adotado?

*Pacotinhos: vide Támas I & Támas II

P.S. Tardei, mas não falhei. Sabem como é... férias escolares, festividades de final de ano, trocas de presentes, muitas coisas acontecendo ao mesmo.. Feliz Ano do Búfalo a todos!