quinta-feira, abril 30

Sprint

- E há quanto tempo você está aí?
- Ah, tem mais de ano já!..
- Ah é?.. Tá gostando daqui?
- Nu cumeço era mais difícil, né? Sintia umas tuntura... falta de ar, uma suadêra...
- Por causa do calor, é?...
- Sintia calor dimais!.. Mas agora já tá mais tranqüilo, né?

É impressionante o poder de adaptação que nós, seres humanos, temos. É quase linda a nossa capacidade de nos ajustarmos aos estímulos do exterior, e não estou falando apenas de graus Celsius. "Talvez" por uma questão de sobrevivência, e (in)felizmente, a gente se tuna para continuar... Vivo, feliz (?), estático, indo, -ando. Para perpetuar a nossa linhagem. Ou talvez para coisas beeem menos importantes.

As minhas andanças pelo norte de Minas, por exemplo. Na primeira vez, a primeira coisa que eu estranhei foi o maldito meio de transporte. O que eles chamavam de avião, era na verdade um ônibus alado. Sério. Para mim, aquilo era um Circular com asas, porque o número de assentos é o mesmo, o tamanho é o mesmo, o barulho é de ônibus, talvez pior, e o conforto idem. E o embarque/desembarque, não existe diferença alguma. Se comparado com ônibus na Av. Amazonas na hora do rush.

Eu só sei que o trem de pouso mal toca o solo, as portas já estão prontas para serem abertas, e sabe aquela posição inicial de quem corre os 100 metros rasos? ESTA é a posição privilegiada. Porque quando a porta se abre, aeronave ainda em movimento, as pessoas se jogam para fora, talvez de alívio por estarem vivos depois do trauma. E com freqüência, as comissárias alimentam a fogueira, movimentando o braço circularmente, gritando "Vai! vai! vai! vai!" (do inglês: "Go! go! go! go!"). Enquanto isso, nós que estamos de fora para embarcar, também estamos na posição "sprint". Assim que o último passageiro retardado é empurrado para fora pela comissária, o OK é dado, e corremos para as nossas respectivas poltronas assim como corremos para as montanhas em caso de alguma coisa séria. 

Eu apelidei este processo todo de Pit-stop. Não só acostumei com este processo todo, como hoje em dia sou o primeiro a tomar posição de corrida. Coisas de sobrevivência, sabe. E assim a vida passa, e vamos nos ajustando. Justo?.. Nem sempre. Veja bem:

ANTES: Gente, que cheiro HORRÍVEL é esse de esgoto e cocô de vaca misturado??... Vinhoto??? Que bosta é essa?
DEPOIS: Gente, vamos almoçar?

ANTES: 9 horas de viagem até BH?... Cês tão tudo doido, achando que vou de carro...
DEPOIS: Tem quantas pessoas no Uno? 4 pessoas?.. Eu sou o quinto então!

ANTES: 9 horas de viagem até BH?... Cês tão tudo doido, achando que vou de carro...
DEPOIS: Então... vou comprar um carro pra eu poder voltar a BH com mais freqüência, sabe como é, né?

ANTES: NUNCA precisei!.. TV não me faz falta nenhuma!
DEPOIS: Aaahrê, Bába! Esta Maya é bonita mesmo, tik?

ANTES: Eles chamam isso de marmita? Isso é lavagem!!
DEPOIS: Você vai comer este restinho aí?...

ANTES: NUNCA precisei!.. TV não me faz falta nenhuma!
DEPOIS: Olha... o batimento cardíaco da Priscila tá bem mais alto que do Max...

ANTES: CORRAM PARA AS MONTANHAS!.. A casa está sendo invadida por morcegos!!!
DEPOIS: Ow, deixa o morcego em paz, ele não te fez nada!...

ANTES: Meu Deus!... Quanta gente feia aqui!
DEPOIS: MEU DEUS!... QUANTA GENTE FEIA AQUI!

Não sejamos preconceituosos, nem arrogantes dicotomizando hábitos. Bom ou mau são a definição da subjetividade, e não cabe a nós julgar comportamentos. Mas no decorrer deste depoimento, eu lembrei de uma coisa que um "pensador" (como se isso fosse uma profissão DE VERDADE) falou. Algo como "a pessoa comum tenta se adaptar ao ambiente para viver. E o louco tenta adaptar o ambiente para viver. Mas é graças ao louco que temos progresso, evolução".

Fiquei pensando nisso, enquanto eu sentia o friozinho de Belo Horizonte, o céu azul de todos os anos.

(continua...)