quinta-feira, outubro 2

Danoninho Revolutions - Parte II - 'Everything that has a beginning has an end'

Na condição de homem social, ser mutável, já estava começando a me acostumar com Xambioá. E esta condição de ser mutável é uma droga* mesmo. Primeiro, o calor passa, e a gente até estranha o ar condicionado (quem ligou essa bosta nesse frio?!). Depois, você nem sente os pernilongos te abduzirem toda noite. Só no dia seguinte você repara os estigmas indolores deixados pelo corpo. E pela rua, antes apenas habitantes locais e nada mais, surgem garotas interessantes, aptas a serem convidadas para a Pizzaria do Sassá. Ou o Titanic (vocês PRECISAM ver isso).

http://www.youtube.com/watch?v=giYhl-9WFUI (aumentem o volume e soltem a voz)
http://www.youtube.com/watch?v=pXwetzpFEao (com passos para dançar em casa)

Mas infelizmente, nem tudo são flores. O que antes era uma comida caseira sincera e elogiável, virou uma gororoba tamanha que Pizzaria do Sassá não chega nem perto de ser apelação. Questão de sobrevivência. E por que não com as garotas supracitadas? Só aproveitando o ensejo, ué...

E assim, as correntezas do Araguaia iam levando meu tempo naquele lugar embora. Tudo pronto para partir, e enquanto esperava a balsa para atravessar a fronteira, me deu vontade de ficar. Não pelo calor (tá doido?), não pelas novas-gatinhas-ex-monstras do pedaço, talvez pela beleza do rio, mas principalmente porque eu queria ganhar um barco no concurso!! Imagina poder dar uns rolés no Rio Araguaia nos finais de semana? Passar em frente ao Titanic e ver as gatinhas de biquíni bem pequeno e bundinha empinada (ou empenada?)! Ai ai, maldito velho bebum que passou com a pinga do meu lado. Fiquei tonto só com o cheiro do veneno que ele tinha no copo! Pelo menos a balsa está chegando, e acaba com a insensatez de uma vez...

Novamente, estávamos rasgando a mata a bordo de um Gol POWER. Lembrei que o cenário por aqui quase que foi tirado de Rambo II ou Braddock, o Super-comando (by Tiáqui Nóris, e o seu super roundhouse kick). Paisagem repetida, mas não consegui me cansar de sua beleza. Castanheiras e palmeiras passavam diante dos meus olhos, e meu pensamento estava em Xambioá. De verdade. Sabe... Considerando a possibilidade de voltar para o projeto, que certamente precisariam de um intérprete para a montagem da caixa de engrenagens, pois a presença do supervisor chinês era mandatória: “Já fizeram o convite informal. Será que eu aceito? Não seria melhor pensar nisso quando fosse a hora adequada? Ah, a viagem vai durar duas horas, tenho muito tempo para pensar... Eu acho que não, porque tem aquele outro projeto que já me chamaram... Mas o pessoal também não confirmou ainda”...

E foi assim até chegarmos ao aeroporto. Mas nem mesmo este ataque de suuuper número 6 conseguiu me tirar a gostosa sensação de missão cumprida, e também de descobrir que as pessoas gostaram do trabalho feito. Mas o mais importante mesmo foi descobrir (ou lembrar) que eu gosto mesmo de fazer isso.

*Como assim “droga”, se (quase) tudo fica melhor quando se adapta ao lugar? Pois é, imagina se eu gosto da idéia, e fico perdido numa cidade de 10.000 habitantes para todo o sempre? Imagina se resolvo casar com uma nova-gatinha-ex-monstra, ter filhos, e viver a beira do Rio Araguaia? Agora, imagina se eu gosto da idéia de ficar em Belo Horizonte para todo o sempre? E fechar as portas para Xambioá, Sorocaba, Jaíba, Hong Kong, China... Assustador, não?

segunda-feira, setembro 29

Danoninho Revolutions - Parte I

O cartaz anunciava uma festa no próximo fim de semana. Festa rural, coisa de interior. Além das vaquejadas, ainda haveria um concurso. De quê, não importa. O mais importante eram os prêmios. Para o primeiro lugar, um motor. Um MOTOR! O vice-campeão levaria para casa um gerador. Para os momentos de escuridão, luz. Para os momentos de solidão, TV. Ou choque, já que conceito de diversão é subjetivo. E para o terceiro lugar, um barco, cara. O ouro e o bronze podiam combinar uma sociedade. Ganha-se um prêmio, e também um cumpádi para a pescaria nos fins de semana. Enquanto o riso ainda estava na minha cara, ouço um grito:

- É TU, CHEFÃO!

Dedo em riste, ele apontava para a balsa que se aproximava. O senhor tinha as barbas brancas já, mas seus cabelos estavam pintados de loiro. Em sua mão, um copo de extrato de tomate, com líquido até a metade. E quando ele passou do meu lado, inspirei para confirmar, e logo o cheiro doce e estridente de cachaça me fez ver algumas estrelas. Olhei para o rio a minha frente... o Rio Araguaia. Eu cambaleava levemente, não sei se do calor ou do destilado. Há alguns dias atrás, estava exatamente na mesma posição, do outro lado do rio.


***


Depois que o carro estacionou na balsa, descemos do carro para acompanhar a sua travessia até Tocantins. Meninos brincavam na margem, e duas meninas se refrescavam de roupa na parte rasa. Aparentavam seus treze ou quatorze anos. Eram prostitutas. Meu interlocutor me falava que os policiais da região eram os primeiros a usufruir de seus serviços. “Esta é uma terra sem lei”, me dizia:

- Ra-pái, se andar de moto usando capacete, é capaz de você ser preso!

Ri inadequadamente. Os relatos eram diversos: sobre empresários, sobre políticos, sobre o povo, seus pequenos delitos. Esta era a minha cerimônia de recepção (sem contar o almoço de gala, lógico).

Do lado esquerdo, para onde o rio corria, uma serra compunha a paisagem de forma correta. Há cinqüenta anos, esta serra foi o cenário para a famosa Guerrilha do Araguaia. Os comunistas se escondiam na Serra das Andorinhas quando os militares os caçavam. Sangue, muito sangue...

Nos dias que se seguiram, fiquei mergulhado nesta paisagem histórica, no mínimo. Mas mergulhei no rio também. Fiquei receoso no início, devo confessar, mas não podia perder esta oportunidade. Não podia mais ignorar o fato do Rio Araguaia estar passando na frente da pousada onde estava hospedado. Algumas donas passavam o dia inteiro nas margens do rio lavando roupa, com o sol na cabeça (não é uma Brastemp, mas...), e meninos e meninas pulavam na água para tentar lavar o calor do corpo. Resolvi fazer o mesmo.

Ignorei sacos e garrafas de plástico na margem, e entrei vagarosamente na água morna. Para mim, aquilo valia o mesmo, ou até mais do que um carimbo no passaporte. Era uma viagem para o passado, toda aquela rusticidade. Tomei cuidado com os diversos seres que falavam ter na água, mas que felizmente não apareceram, e o tempo foi passando até que o rio engoliu o dia. Saí da água cansado, cheguei ao meu quarto e tombei. Adormeci com cheiro de Araguaia na pele.