Logicamente, estava tonto de sono e cansaço. Sair em viagem de madrugada nunca, nunca! foi uma boa idéia, mas como não era nem para eu estar ali, melhor não tomar parte em reivindicações:
- Às quatro?.. Hum... Eu ACHO que num tem problema não...
- Tá, então a gente sai quatro e meia, pra você não chiar...
- (Úuuuuuuh..... como você é bondoso!...) Nossa, tá ótimo! Estarei às quatro e meia na porta da sua casa.
O carro popular sem climatizador permitia que a nossa visão ficasse embaçada permanentemente, e como nos bons velhos tempos, limpávamos o pára-brisa com uma flanela freneticamente, de três em três minutos. A noite estava ainda mais escura com as nuvens de chuva, por isso da direção cautelosa. Fazia força para me manter acordado, e conversávamos de octanagem dos combustíveis. Com os olhos, seguia a lanterna traseira do caminhão que andava a mais ou menos
Distraído, acompanhei os pontos vermelhos dançar para a esquerda e desenhar no ar abstratamente novamente para a direita:
O fato é que ele já estava chegando
Mas talvez ele batesse na mulher e abusasse da filha pré-adolescente. Estava virando a noite no volante porque, como sempre, perdera muito tempo tomando pinga na beira da estrada. Provavelmente estava embriagado, e não viu o outro caminhão invadir a sua faixa. Não escolheu ser caminhoneiro, teve que sair de sua cidade, pela polícia e inimizades.
Mas não tenho certeza do quê poderia justificar a perda da vida.
O sol não estava mais a vista, mas o dia era claro. O céu bonito, parece que típico desta região. Tomava quase todo o céu um laranja claro, cor de Fanta em camiseta branca. Treze horas depois de iniciar a viagem, finalmente olhava novamente para paisagem familiar. O carro ainda engolia o final da estrada, mas eu não estava cansado de pensar. Pensava no valor que não damos à nossa vida. Tão pouco valor, que temos raiva quando chega um email de auto-ajuda para nos lembrar que a gente precisa dar valor à vida. Eu, por exemplo, tenho ódio, e apago antes de abrir.
Dura o mesmo tanto, na verdade. Um segundo para deletar uma mensagem com trilha sonora de Pachabel e textos duvidosos de Carlos Drummond, um segundo para morrer. Justiça seja dita, o motorista do caminhão, mesmo são, não teria tempo para desviar do choque. A freada brusca em chão molhado até a cessão dos virabrequins durou uma batida de coração. Sem tempo para arrependimentos, sem tempo para despedidas, nem para uma última tragada no cigarro. Ciao. Simples assim.
Tenho tempo de menos. Quero fazer coisas que me fazem bem. Quero estar com quem me quer bem. Não quero gastar este tempo com pessoas e coisas que me cansam, e sim, que me treinam na corrida da vida. Pois treinar é bem diferente de cansar em uma esteira. Deletei do meu celular os números, deixei só os meus contatos. No sentido estrito e primário da palavra, não significando networking. Números só são importantes no Orkut, Facebook, Wayn, Estou Aqui, Cá Estou.com, etc. E ainda assim, estou restringindo. Quero o melhor para mim, e para quem me quer. E faço o possível para não cansar essas pessoas.
Maldito acidente. Me fez emotivo e cansativo. Pode deletar.